Pesquisa revela aspectos da política partidária em Juazeiro na década de 80


Em outubro de 1979 começou a circular em todo país a Tribuna da Luta Operária, periódico editado pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B) que veiculava notícias sobre política, economia e cultura no contexto da transição democrática. Trinta anos depois, pesquisa desenvolvida pela jornalista e professora Andréa Cristiana Santos, do Departamento de Ciências Humanas (DCH), da Universidade do Estado da Bahia, analisa como o jornal contribuiu para organizar o PC do B na esfera local, a partir de um conjunto de materiais como as edições do periódico e entrevistas com militantes.

Este acervo estará disponível à comunidade na Exposição 30 anos da Tribuna da Luta Operária: o Jornal como Lugar de Memória, até o dia 19 de dezembro, das 8h às 21h, na sala PROESP, do DCH III. A exposição marca o lançamento da plataforma digital das edições do periódico, desenvolvida pelo estudante de Jornalismo em Multimeios, Wllyssys Wolfgang, e pelo pedagogo e professor da Universidade de Pernambuco (UPE), Moesio Belfort. Em entrevista, a coordenadora da pesquisa discute a influência do periódico em Juazeiro.
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Por Leônidas Vidal, da Agência MultiCiência
Fotos: Emerson Rocha


Multiciência- Como a Tribuna se constituiu na década de 80 e chegava ao militante, inclusive em Juazeiro?
Andréa Cristiana (AC): O periódico é vinculado a um partido, mas com uma estrutura semelhante aos jornais informativos com notícias sobre acontecimentos locais, nacionais e internacionais, vendido em banca e também distribuído pela militância. Outro aspecto é que o jornal contribuiu para estruturar o partido. Em todo o país, havia um processo de articulação partidária, com o retorno dos exilados. A sociedade civil também encontrava formas de se organizar politicamente. O país passava por um processo de distensão política. Greves, o fim do bipartidarismo, a luta por anistia política e depois, a luta pelas Diretas Já. Em Juazeiro, em 1979, o partido se formou a partir de um grupo de estudantes da Faculdade do Médio São Francisco (FAMESF) que lia o jornal. O jornal sobreviveu por nove anos com informações da realidade social, divulgando a cultura política do partido e também do país.

MultiCiência: Qual a importância de se estudar a trajetória desse periódico na cidade de Juazeiro?
Andréa: Os estudos recentes demonstram que, por meio da imprensa, é possível identificar representações de como uma sociedade se organiza e produz circulação de idéias em espaços e contextos específicos. Em Juazeiro, o jornal era distribuído pelos estudantes da FAMESF e lido em reuniões. A partir de um grupo, formado por pessoas como Hugo Pereira, Fernando Dantas e Paulo César Andrade, o PC do B se estrutura como organização. Como o partido estava na ilegalidade, era o jornal que promovia a visibilidade desse grupo político. Algumas das pessoas da comunidade e estudantes, por distribuírem o periódico, começaram a militar e a serem conhecidas como o “pessoal da Tribuna”. Nesse trabalho, nós identificamos ainda que o jornal divulgou acontecimentos locais como o movimento Diretas Já! e sobre a poluição ao rio São Francisco, em 1985, com a suspeita de despejo de vinhoto no rio.

MultiCiência: Quais as contribuições do jornal para a formação política na cidade?
Andréa: É possível que o jornal tenha contribuído para sedimentar uma cultura partidária na cidade, que se apresentava, naquele contexto, a favor do fim do regime militar, pela consolidação da Democracia, pela organização dos trabalhadores, dos movimentos de bairro, por liberdade política e de expressão. Há depoimentos de estudantes do Ginásio Rui Barbosa e de pessoas que ajudaram a construir o partido em cidades como Curaçá, Petrolina, etc. que confirmam a adesão à militância partidária por intermédio do jornal. Um exemplo foi a eleição de Paulo César Andrade para vereador no ano de 1984 pelo PMDB, legenda na qual se abrigaram os militantes do PC do B no período de ilegalidade. Paulo César já tinha uma militância anterior em movimentos sociais apoiada por Dom José Rodrigues, da Diocese de Juazeiro. Mas, como ele constrói sua carreira política? Por ser uma liderança conhecida no grupo de jovens, no Ginásio Rui Barbosa e no movimento de bairro, sua prática social vai se construindo em torno da identificação com a proposta ideológica da Tribuna, como o mesmo afirma e outros depoimentos comprovam.

MultiCiência: Existem dados sobre a circulação do jornal na cidade?
Andréa: Não existem dados precisos. Há relatos em torno de 300 exemplares, mas o grupo de militantes não era muito grande. O jornal era lido em grupo, reuniões e vendido em mutirões nos bairros.

MultiCiência: A pesquisa irá lançar uma plataforma digital. Em que isso poderá ser útil para a comunidade?

Andréa: A plataforma digital contém as 184 edições da Tribuna, que foram doadas pelo militante Hugo Pereira. O jornal chegou a ter 350 edições, mas é muito difícil no Brasil conservar jornais e guardá-los para uso público. Fizemos a fotodigitalização e o transformamos em um acervo digital, que estará acessível aos professores da rede publica e por qualquer pessoa da comunidade que deseje conhecer o jornal e a história recente de uma parte da esquerda no Brasil. A idéia é que todos conheçam a Tribuna, vejam as notícias, analisem as fotos, as ilustrações e também façam a análise crítica não somente do jornal como da própria construção da Democracia no país.


por Leônidas Vidal, colaborador da Agência de Notícias MultiCiência

Foto: Emerson Rocha

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Augusto Buonicore fala da experiência de ser um "Tribuneiro"

O jornal Tribuna da Luta Operária foi um dos principais instrumentos organizadores do Partido Comunista do Brasil entre 1979 e 1985. Através dele, centenas – ou até mesmo milhares – de pessoas foram filiadas e organizadas no interior daquela organização política revolucionária. Nesse processo destacou-se o recrutamento de operários e jovens, especialmente secundaristas.

Quando o jornal foi lançado, em novembro de 1979, estudava na Escola Estadual Carlos Gomes. Um tradicional estabelecimento de ensino da cidade de Campinas, interior de São Paulo. Na época eu era da “área de influência” do PCdoB. Devo dizer que, na primeira vez que vi a Tribuna, não gostei muito da cara dela. Achei feia e as matérias pouco desenvolvidas. Alguém já disse que “narciso acha feio o que não é espelho”.

Considerava-me um quase intelectual socialista, embora só tivesse lido algumas poucas obras de divulgação marxista. Estava acostumado com jornais Movimento e Convergência Socialista. Estes eram mais massudos – com muitas páginas e cadernos especiais que traziam matérias mais longas com análises políticas e teóricas. Para mim tamanho era documento. Na verdade, não entendia qual era o objetivo daquele jornal que nascia.

Mas, logo descobri e mudei de idéia. Se fosse um pouco mais esperto teria percebido que no próprio título da publicação já estava a resposta que procurava. Aquele era um jornal de massas no verdadeiro sentido da palavra. Fora feito, especialmente, para atingir os corações e mentes dos operários fabris e não apenas os de sua vanguarda esclarecida.

O jornal deveria ser vendido para os trabalhadores simples nos bairros e nas portas das fábricas. Para isso, precisava ter uma forma e uma linguagem que eles pudessem entender e se reconhecer nelas. Não era sem motivo o grande espaço dedicado às cartas dos leitores. Nesse espaço, o povo da periferia contava os seus problemas cotidianos. Lembramos que naqueles anos vivíamos o ascenso da luta dos operários fabris. Eles, como classe, iam se constituindo como vanguarda da luta contra a ditadura militar.

A aceitação do jornal foi imediata entre os trabalhadores manuais e, estranhamente, entre os estudantes. No meu colégio chegávamos a vender mais de cem tribunas semanalmente. Entre os tribuneiros estavam os membros da célula comunista – cerca de sete pessoas – e alguns simpatizantes. Diria mesmo que virou moda ser vendedor de Tribuna naquela escola. Era um sinal que a pessoa tinha consciência política e social. Ser tribuneiro fazia a diferença.

Lembro de um fato que revela um pouco o meu sectarismo. Certo dia, uma garota da minha classe pediu para vender o jornal. Acabei sendo muito duro com ela. Perguntei-lhe se sabia o que ele representava e quais eram suas idéias para o país e o mundo. Em outras palavras, se ela entendia alguma coisa de socialismo. Então, pedi que procurasse conhecer melhor a proposta do jornal antes de se propor àquela tarefa. Um ato arrogante da minha parte. Afinal, ela estava começando a participar do movimento estudantil na escola. A diferença de apenas dois anos na militância política parecia uma eternidade. O problema foi resolvido e ela virou mais uma tribuneira, sem precisar se tornar uma teórica marxista.

Visando divulgar as idéias comunistas entre os trabalhadores, cada célula partidária deveria adotar uma fábrica para vender a Tribuna Operária. A nossa filha adotiva era uma indústria metalúrgica chamada Bendix. Ali já existia algum trabalho partidário. A situação dos comunistas no interior das empresas era completamente diferente do que ocorria dentro dos colégios e universidades. Os operários comunistas deveriam trabalhar na mais restrita clandestinidade ou perdiam seus empregos. Os materiais partidários eram distribuídos escondidos. Na maioria das vezes eram deixados nos banheiros.

A ação externa daqueles jovens ajudava no desenvolvimento do trabalho no interior das fábricas. Muitos operários foram recrutados graças a esse trabalho. Os patrões logo se deram conta do perigo que isso representava e passaram permitir que os ônibus fretados e carros dos empregados entrassem dentro da empresa e estes não passassem mais caminhando pelo corredor polonês de tribuneiros.

Também era sagrada a nossa participação nas praças públicas todos os sábados de manhã. No nosso caso, o ponto de venda era na Treze de Maio, calçadão ao lado da Catedral Metropolitana. Uma rua de grande movimento. Geralmente algum de nós fazia um discurso – sempre contra o regime militar – e o restante vendia o jornal. Entre aqueles que se destacam pelos seus discursos radicais estava Célio Turino, atual secretário do Ministério da Cultura.

Na praça não estávamos sós. Ao nosso lado, disputando o espaço, estava o pessoal do jornal Hora do Povo, ligado ao MR-8, e da Convergência Socialista (trotskista). Havia sempre um interessante e divertido confronto de palavras de ordem. Quanto à venda, devo dizer, a TLO batia todos os demais concorrentes, embora o Hora do Povo fosse mais sensacionalista e tivesse uma boa aceitação. Nos domingos íamos vender o jornal nas feiras populares, que já começavam a perder espaço para os supermercados. A feira que os secundaristas adotavam era a da Vila Presidente Costa e Silva. Bairro operário no qual o Partido tinha um bom trabalho e até dirigia a associação de moradores.

O fim da ditadura em 1985, a criação de outros mecanismos de comunicação e a ilusão da liberdade de imprensa, fez com que esses jornais alternativos perdessem força. Houve uma gradual redução nas vendas tanto em banca quanto por militantes. Falar duramente contra o governo militar deixou de ser exclusividade da esquerda revolucionária e socialista.

Quando foram criadas as sucursais do jornal nas cidades funcionavam como sedes informais do Partido Comunista do Brasil, que ainda estava na ilegalidade. Através delas, ele promovia debates e organizava o seu movimento social. Havia reuniões de tribuneiros que eram fachadas legais para encontros partidários. Eram os representantes da Tribuna Operária, por exemplo, que falavam pelos comunistas nos atos e os representavam nos comitês de Anistia, de Defesa da Amazônia, Contra a Carestia etc. A partir de 1984 – durante os últimos dias do regime militar – esse papel passou a ser desempenhado pelas comissões pela legalidade que se formaram por todo o país. O Brasil entrava numa nova fase e a Tribuna da Luta Operária começava a fazer parte da gloriosa história de luta do povo brasileiro pela liberdade.


Augusto César Buonicore, historiador, membro do Comitê Central do PCdoB e secretário geral da Fundação Maurício Grabóis.

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Abertura da Exposição 30 anos da Tribuna da Luta Operária


A Exposição Multimídia 30 anos da Tribuna da Luta Operária: o Jornal como Lugar de Memória foi aberta nesta segunda-feira (14/12) com a participação de antigos “tribuneiros”, militantes do Partido Comunista do Brasil (PC do B), estudantes do curso de Comunicação Social, professores da Universidade do Estado da Bahia e da Universidade de Pernambuco.

Na abertura da exposição, foi feito o lançamento da plataforma digital (DVD-Rom) com as 184 edições do periódico, doadas pela militante Hugo Pereira; apresentação de 30 capas do jornal e os estudos realizados durante a pesquisa "História da Imprensa em Juazeiro: a Tribuna da Luta Operária e a organização do PC do B em Juazeiro", coordenada pela professora Andréa Cristiana Santos. A concepção, desenvolvimento e a criação do DVD-Rom foi feito pelo pedagogo e professor de Tecnologia da Educação, Moésio Belfort, e com a colaboração do bolsita PICIN/FAPESB Wllyssys Wolfgang, estudante de Jornalismo em Multimeios, que fez o trabalho de fotodigitalização e eralização do banco de dados.


Na abertura da exposição, a coordenadora do projeto abordou a relevância de realizar o estudo com história da imprensa, especificametne por registrar e documentar parte da própria história do país no processo de transição democrática. Ela ressaltou ainda a importância da memória como elemento para reconhecer a trajetória de homens e mulheres que participaram das lutas sociais dos anos 80.

Durante o evento, foi lido o depoimento de Augusto Buonicore, no qual ele se refere à organização do partido nos anos 80 por meio da Tribuna, e as pessoas presentes relembraram passagens da trajetória pessoal como leitores do periódico, militantes políticos, ativistas sociais e também da relevância de reconstruir parte de trajetória do partido a partir da pesquisa com o jornal.

Durante a semana, haverá uma programação extensa com mesa-redonda, exibição de filmes e de videoclips. Nesta quarta-feira (16/12), acontece a mesa-redonda “Jornal, Cultura e Política em Juazeiro nos anos 80”, com a participação de militantes, ex-militantes, ativistas políticos, músicos que irão lembrar acontecimentos relevantes da história local. Participam da mesa-redonda Paulo César Andrade, eleito vereador no ano de 1982; Ernani Ribeiro, coordenador do Comitê Diretas Já! em Juazeiro, no ano de 1984; Mauricio Dias (Mauriçola) que contará a experiência de músico e da importância da cultura na cidade, e Paulo Marcos (Parlim), que falará da experiência do Berro D´Água , jornal alternativo, satírico e de humor.

Na sexta-feira (18/12), acontece a exibição do filme “`Peões”, de Eduardo Coutinho, e no sábado exibição de videoclips e show anos 80.


Por Equipe do Projeto

Foto: Fernando Rodrigues

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